domingo, 3 de abril de 2011

The sound of music - capitulo 3

"Fonte de mel
Nos olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
Luz das acácias
Você é mãe do sol
A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa
E não olha pra trás"

                                                                                                                        
 

        Orfeu não sabia por que começou a cantar essa música.Não estava na lista de pedidos  dos frequentadores do bar naquela noite.Ok,no fundo ele sabia muito bem.Foi por causa daquela moça de olhar triste que tinha entrado há cerca de meia hora.Que criatura intrigante.Ao mesmo tempo que tinha um porte altivo,quase orgulhoso,sua expressão mostrava justamente o contrário.Parecia deslocada ali.E ele tinha impressão que se sentia deslocada aonde quer que estivesse.Vestia-se de maneira simples e discreta,um vestido azul,que fazia lindo contraste com seus cabelos muito loiros.Por isso lembrou da música:"choque entre o azul e o cacho de acácias...".Ela se sentou próxima ao palco,e ele pode ver que ela era loira de verdade,pois as sombrancelhas e até os cílios eram loiros.A pele clara era quase translúcida,coberta por delicadas sardas transparentes.Mesmo se fosse um pintor talentoso,não se acharia capaz de pintá-la em toda sua beleza.A cor dos olhos era difícil de definir,pois estavam semicerrados,e ela parecia pensativa.Em que estaria pensando?
        Talvez ele se surpreendesse ao saber quais eram os pensamentos de Eurídice.Ela se sentia tão feliz e relaxada, como nunca esteve na vida.Ali,olhando para aquele rapaz com cabelos escuros caindo sobre a testa,e voz de veludo.Não se sentia sobrando,como sempre,mas no lugar certo,na hora certa.Seu coração parecia ter criado asas e viajava na sua música.Mal se deu conta de que as pessoas já estavam se retirando,e o show já terminara.Era dia de semana e tinham que trabalhar amanhã de manhã cedo.Acordou como de um sonho dourado e caiu na escura realidade.Gostaria de ter um trabalho,algum lugar para ir no dia seguinte,uma desculpa para não estar em casa.Mas não adiantava,ela não se encaixava em nada,nenhum trabalho,nenhuma faculdade,nada tinha dado certo pra ela.Algumas vezes chegou a pensar que teria sido melhor que ela nunca houvesse existido.Todos teriam sido mais felizes.Seu irmão não teria morrido.
      Orfeu estava guardando as suas coisas e estava  a ponto de ir despertá-la.Achou que ela tivesse adormecido.Mas ela levantou-se subitamente e fez menção de ir embora.Quando chegou perto da porta,pareceu ter se arrependido e voltou.
      -Não posso deixar de vir cumprimentar um artista tão talentoso-disse ela cumprimentando-o.Estendeu a mão e ele apertou-a.Foi sacudida por uma estranha sensação.A sensação de uma pessoa que andou muito,por muito tempo , esteve por diversos lugares  e, finalmente ,chegou em casa.Soltou a mão rapidamente.-Dizem que se reconhece um grande cantor quando ,para cada pessoa que o está ouvindo,existe a sensação de ele está cantando especialmente pra ela.
     "Você não sabe o quanto está perto da verdade",pensou ele.Mas tudo que ele pôde dizer foi um tímido"Obrigado".Estava tomando coragem para cortejá-la,quando ela disse:
     -Na verdade,eu estive na escola de música hoje.Queria me inscrever na suas aulas,mas a moça da secretaria me disse que tinha que falar com você primeiro.Eu iria falar com você amanhã,mas já que estou aqui...
      "Droga-pensou Orfeu-não quero que você seja minha aluna!"Tinha por princípio não se envolver com alunas,pois já tida tido experiências que não deram certo,não queria mais misturar as coisas.
       -Qual é o seu nome?
       -Eurídice.
       -Querida Euridice,ela deve ter dito a você que as turmas já estão lotadas.O excesso de alunos atrapalha a didática da coisa,entende?E não posso abrir exceções,você sabe,senão vou ter que fazer isso com as outras pessoas também.
       Ele pareceu sentir uma faca gelada se enfiando no seu coração, por ter provocado aquela expressão de decepeção profunda no rosto de anjo dela.Chegou a achar que os olhos dela encheram-se de lágrimas."Eu sou mesmo um monstro!Dane-se essa droga de didática e o que os outros vão dizer!"Ia abrir a boca dizendo que mudou de idéia,mas ela falou antes:
     -E aulas particulares?E-e-eu posso pagar.Posso ir na sua casa ou você ir na minha.Por favor?
     Ir na casa dele?Acho que ela não sabia o que estava dizendo.A casa dele era tão superlotada,que ninguém conseguia respirar fundo ao mesmo tempo.Eram ele,a mãe e cinco irmãos numa casa de 3 cômodos.
     -Bem,eu não tenho muito horario disponível. e na minha casa não vai ser possível,teria que ser na sua.E  eu só posso á noite...deixe ver...Segunda e quarta,pode ser?
     -Claro,pra mim,está perfeito!!Vou te dar meu endereço,podemos começar nessa segundo agora?
     -Mas você não vai me perguntar quanto é que eu cobro por aula?E violão,você tem algum?
     -No dia da aula você me diz o preço!E ,quanto ao violão,vou comprar um amanhã mesmo.-entregou-lhe o bilhete com o seu endereço e telefone-Você não sabe como alegrou o meu coração! -  e deu-lhe um beijo estalado no rosto,saindo saltitante pela porta.
     O coração de Orfeu saiu da temperatura da faca gelada para a temperatura da ebuliçao.Do aço.Ele pôde ver perfeitamente a cor dos seus olhos quando ela se aproximou para beijá-lo.Eram dourados como o sol.Respirou fundo e olhou o seu endereço.Não era a toa que não se preocupava com o preço das aulas.Dinheiro não devia ser problema para ela.Era numa das ruas onde moravam as pessoas mais ricas da cidade.
                                     (continua)

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