segunda-feira, 4 de abril de 2011

The sound of music - capítulo 4

"Pai e mãe, ouro de mina
Coração, desejo e sina
Tudo mais, pura rotina, jazz
Tocarei seu nome prá poder falar de amor
Minha princesa, art-nouveau
Da natureza, tudo o mais
Pura beleza, jazz"

 





   Orfeu achou que a casa dela parecia um castelo,e ela bem poderia ser uma princesa solitária no alto da torre.Coincidência ou não,o quarto dela era lá no alto,no último andar conforme o empregado que o recebeu no suntuoso hall de entrada indicou para ele."Ela vai ter aulas no quarto?",pensou ele,e achou meio inadequado.Mas quando chegou,percebeu que o quarto dela tinha uma antessala,como se fosse um pequeno escritório particularQue chique!.Ela ainda não estava,mas mandaram que aguardasse.Eram mais de nove horas da noite.Ele só podia chegar nesse horário,após as aulas que dava na Escola de Múcica,mas ela parecia não se importar.Ele deu uma espiada.Havia uma estante,cheia de livros e fotos.Algumas fotos na parede,uma escrivaninha e duas poltronas.Entre as poltronas,uma pequena mesinha com um porta retratos.Não resistiu e pegou-o para examinar melhor.Havia uma menina loura de cabelos cacheados,um menino,também louro,mais ou menos da mesma idade,muito parecido com ela,com o mesmo sorriso luminoso.Colocou rapidamente de volta na mesa,quando ouviu passos se aproximando.Ela saiu pela porta interna,vinda do quarto.
    -Oi,desculpe-me fazê-lo esperar-ela tinha um violão nas mãos.
    -Oi!Não se preocupe,acabei de chegar.Vejo que comprou seu violão.
    -Pois é,você gostou?Essa marca é boa?
    -É ótima,uma das melhores-"Deve ter custado o equivalente a  uns dois meses de salário meu",pensou ele.-Vou afinar ele para você.
     Ele começou a afina-lo e ela o olhava,fascinada.Para testar a afinação,ele dedilhou algumas músicas.Depois de pronto, entregou-lhe de volta.
     -Ah,por favor,toque mais um pouco...
     -Mas eu pensei que era pra você tocar,não eu.
    -Claro,claro,desculpe-respondeu,sem graça-Mas,gostaria muito de saber como aprendeu a tocar assim tão bem.
     -Bem,na verdade,aprendi por erros e acertos,sozinho,dando cabeçadas e desafinadas por aí.
     -Nossa!Um autodidata,um talento nato!
     -Nem tanto,nem tanto.Foi só no início.Depois entrei pra faculdade e me aprimorei.Ainda estou me formando,na faculdade de música.Então,vamos começar?
      Eurídice bem que tentou,mas não tinha o menor jeito.Suas notas saíam pior que uma unha raspando num quadro negro.Era de arrepiar,no sentido ruim.Orfeu procurava estimulá-la,mas ,com o passar das aulas e tentativas,as pontas dos dedos dela começaram a ficar machucadas e doloridas.Na verdade,ela estava detestando as aulas,mas,amando o professor.Um dia,ele chegou sem o violão dele.
      -Cadê o seu violão?
      -Fui assaltado no ônibus.Mas,não tem problema,a gente pode fazer a aula só com o seu.
      No final da aula,Eurídice deu o seu violão para ele.Ele não quis aceitar de jeito nenhum.
      -Aquele violão estava velho mesmo,eu já ia comprar outro.
      -Mas você disse que esse aqui é muito bom,uma das melhores marcas.é uma pena ficar sem uso.
      -Como assim,sem uso?Você não vai mais usá-lo?Posso saber por que?
      Eurídice olhou para baixo,embaraçada.
      -Estou desistindo de tenta tocar.Meus dedos estão doendo e todos machucados.E ,além do mais,nós dois sabemos que eu não tenho o menor talento...
      -Mas isso pode ser trabalhado,você sabe...
      -Não,eu achei que,como gosto muito de música,talvez pudesse me encontrar em uma carreira musical.Mas, tudo que encontrei foi uma trapalhona descoordenada e desafinada..Mas isso não é novidade para mim,eu já tentei tantas coisas,tantas carreiras,tantas faculdades.Nada deu certo.Acho que não presto pra nada mesmo...
       Orfeu não sabia se sentia tristeza,por ver uma moça tão linda e inteligente  falar de si mesma com tanto desalento,ou se sentia alegria por ela deixar de ser sua aluna.Afinal,isso diminuiria a distância entre eles,talvez se abrisse um caminho para uma relação mais próxima."Não seja imbecil!Até parece que ela ia querer alguma coisa com um feio,desajeitado e pé-rapado como você!Além do mais ela está desistindo das aulas,não existe mais motivo para continuar a vê-la!Ela está te dispensando,e o violão é o prêmio de consolação!"
       -Então,está bem-ele disse-eu vou indo então.Eu aceito o seu violão,emprestado.Até eu comprar um novo,está,bem?Vou mandá-lo de volta,assim que puder,eu deixo na portaria da sua casa.
       -Eu já disse que não quero o violão de volta.Mas não quero que você vá embora.Descobri que o que mais gostava nas aulas,era ouvir você cantando.Você não poderia vir apenas para cantar para mim?Eu continuo pagando,como se fosse uma aula!
      -Eurídice,mas isso é um absurdo!
      -Eu pago em dobro!A sua música me fez mais alegre que todos os anos de terapia e todos os quilos de antidepressivo que eu já tomei na vida!
      -Não posso aceitar.
      Ela baixou os olhos,que pareciam sintetizar toda a tristeza do mundo.Orfeu levantou o seu rosto,tocando o seu queixo com a ponta dos dedos,e disse:
      -Não existe nada no mundo que eu deseje mais do que tocar e cantar´para você ,e ver você suspirar e sua face se iluminar.Mas não como um empregado.Se você me pedisse para continuar vindo,como um amigo,eu o faria com o maior prazer.
      -Jura?Quer ser meu amigo?Não acredito!Você vai acabar sumindo,como todos os outros!Ninguém aguenta ser meu amigo por muito tempo!Todos me acham chata,nerd,antipática,soturna...Quando era adolescente,meu apelido era Wandinha da família Adams-ela falava em tom de sarcasmo,mas ele podia sentir uma mágoa profunda.
      -Ei,ei,o que é isso?Não acredito que exista uma pessoa no mundo que não deseje fazer parte da sua vida!
       -Você não sabe o está falando|Tudo na minha vida é um erro!-agoara chorava abertamente-Nada nunca deu e nem vai dar certo.E sabe o motivo?Eu não devia estar aqui,eu estou no lugar de outra pessoa,que morreu no meu lugar!Era ele que os meus pais queriam que estivesse vivo,não eu!
      -Ele quem?
      Ela pegou o retrato sobre a mesinha e apontou,com os dedos trêmulos:
      -Ele!Este aqui,o meu irmão!


                                                        (continua...)
       
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